9.9.06

Sonho de Louco

Depois de ler o desabafo do dramaturgo com o cancelamento de sua obra.

Como dói mergulhar no mundo fragmentado, esplodido e ensanguentado de um Louco e Ainda ser capaz de entender cada vírgula, cada pausa, cada gemido de dor.
Tudo começou quando li, não a Li me chamou e disse: Se quiser fazer teatro, é só me falar.
Perdida no tempo, gorda, cansada, rouca eu fui. Conheci o Louco e aí sim que tudo começou.
Não acreditava Ainda na volta, mas lia e brincava de ser verdade. Não tinha entendido Ainda tudo, claro, encadeado, mas suava os desejos de um Louco, por ele, por ela (O Louco e sua mulher, não a musa)
Faltava Ainda a viabilidade. Uma festa frustrante nos embebedou a todos e dissemos que Ainda era possível fazer a vontade do Louco.
Depois daquilo um recomeço, sem madeira nem papel e tinta, sem roupas nem sapatos. Ajuda Ainda não tinha, mas a voz já soava alta e os jogos do Louco eram mais nítidos pra mim.
Veio a ajuda, outras tantas ajudas foram pagas que generosidade tem seu preço, sempre. E a imagem do Louco ficou pronta. Fora do lugar, Ainda isso, como levar o sonho do Louco pro lugar que era certo? (Errado, lugar errado, que seja, porra!!!!) E mais generosidade paga em prestações.
Chegou, é aqui, mas não era assim que a gente tinha sonhado! No papel, assinado pelo Louco, empenhando seu nome e salários que não tinha, não estava escrito que tinha que ser como foi sonhado. – “Fodam-se vocês todos! Que pra fazer pêça, tem que investir... hahahaha”
E o Louco e seu sonho deram as caras a primeira vez (Chama-se estréia, bom que se diga). Uma bosta, erros, escuro, cigarro apagado na única hora que devia não estar, vinho derramado, outro esquecido e Ainda a televisão que não devia estar, mas estava, devia ser lembrada e não foi (Erro meu porra! Também quem manda o Louco me deixar sozinha pra fazer e desfazer todo seu sonho depois de tanto tempo longe?) Ah... esqueci, não de falar desta vez, esqueci de dizer agora que Ainda perdi a cabeça pra fora da luz (Perdoa essa atriz que nunca esteve em foco, por não saber que pra ter cabeça tem que ter luz, perdoa vai, ensina...)
E o primeiro delírio do Louco aconteceu diante duns olhos amigos, medrosos das nossas cagadas, mas muito entusiasmados de ver a brincadeira.
Até um par de olhos viu mais do que o Louco escreveu e quis chegar mais perto, pediu e-mail e hoje olha de pertinho, ora vejam! Obrigada, Louco, tenho que te agradecer muito por isso!
Mas o lugar que era errado espantou, confundiu, deu preguiça e ninguém mais viu a gente brincar.
Agora sobrou um último tanto de generosidade pra gente pagar.
Ainda podemos tentar de novo...
Ainda vamos fazer bonito...
Ainda acreditamos nesse jogo... Nem todos, né.
E eu vi o Louco chorar de dor, por uma página branca que um dia ele teve coragem de riscar.

(Te amo Claudio, culpa da Li)

29.8.06

Entre preces

Certa vez, numa madrugada gelada de São Paulo, meu filho teve febre. Eu tinha prometido um trabalho para o dia seguinte, logo cedo, e pretendia passar a madrugada trabalhando pra honrar o pedido. Aquela febre, repentina e forte, sacudiu meus planos e me colocou em desespero.
Muitos motivos de preocupação, evidente. Um filho doente nos põe em alerta. Eu queria entregar o tal serviço para pagar o plano de saúde, atrasado no roldão de outras inúmeras contas. Sabia que sem o pagamento não seríamos atendidos, por isso a urgência em exigir do corpo e da mente algumas horas mais de vigília pra sanar essa parte do problema.
Mas o pequeno acordava a cada meia hora, se virava do avesso despejando fora os restos da janta, do chá que preparei antes do sono, dos remédios que eu dava tentando minimizar o desconforto. Tudo o que me pedia, sem entender direito o que sentia, é que eu ficasse do lado de sua cama, massageando suas costas que ardiam sem parar. Assim eu ficava por vinte minutos até que seus olhinhos dessem um sinal de relaxamento e voltava à encomenda que garantiria a dignidade de uma consulta com o médico. Em pouco tempo de trabalho eu o ouvia chorando e voltava rápido ao seu quarto, pra trocar suas roupinhas molhadas e recomeçar o ritual de carinhos até a próxima onda de sono.
Já avançava a madrugada, ele ainda acordando de tempos em tempos, e eu já muito descompensada pelas horas de cuidados e trabalhos inacabados, quando ele me disse - mamãe, eu te amo de um tamanho maior que tudo. Retribui a declaração com um beijo e um "eu também te amo mais que tudo".
Em sua reflexão de menino, muito seriamente, me perguntou se o planeta era o maior tamanho de tudo. Expliquei que o planeta é grande, mas o universo é maior. - E o que é maior que o universo, disparou no segundo seguinte. Minha reposta imediata não podia ser outra: Maior que o universo é Deus. Já retomando a sonolência, ele se aninhou no meu colo e disse que me amava do tamanho de Deus. Assim fechou os olhinhos e senti seu corpo relaxar novamente, pra mais alguns minutos de descanso.
Saí do quarto atordoada.
Cabe tanto amor assim numa existência de criança? Me ama e se consola com um beijo e eu não posso lhe garantir a segurança de um remedinho certo ou da visita ao médico? Eu lhe digo que logo vai sentir-se melhor e ele acredita em mim, simplesmente porque é a mãe quem fala...
Quando voltei ao computador, na esperança de continuar o trabalho, já não conseguia enxergar a tela, estava exausta, descrente de mim, e uma voz fraquinha me lembrava que tem horas pra se crer sem explicações. Meu filho tem fé.
Tentando manter os olhos abertos, certa de que não conseguiria mais entregar o trabalho, me vi chorando, me vi pedindo forças, me senti rezando pra que o "Deus que é maior que tudo" me desse forças além da conta e mantivesse envolto, protegido meu anjinho, até que eu pudesse lhe assistir como se deve.
E não era mais o Deus Pai que me respondia. Lembrei das vinte horas de trabalho de parto em que me mantive forte e crente na minha capacidade. Recordei o rosto tranqüilo de meu bebê, saído do meu ventre, cuja única preocupação aparente era sentir-se acolhido no meu peito. A partir deste dia minhas preces todas foram instintivamente dirigidas ao Deus que também é Mãe, que sabe tirar ânimo além de todos os limites e protege no útero seus filhinhos até que chegue a paz.

6.8.06

Guardar pra não esquecer

Já não posso mais te chamar amigo, embora o seja além de tudo mais.
Só espero a minha deixa pra entrar em cenanum enredo novo e livre de estereótipos.
História que lança raízes em solo áridomas é regada de imagens, sons e vozes.
A terra nas mãos, o suor do rosto, tanto chão a conquistar...Olha, escuta, sente.
Não há espelhos no tempo que distorçam minha verdade.

19.6.06

Te adoro

Tenho três coisas que preciso escrever. Não farei agora.
Certamente escrevei a primeira, sobre a peça que assisti.
A segunda é sobre um filme, carinhosa indicação que recebi. Vi e eu gostaria muito de comentar.
O terceiro assunto, que me impede de pensar e escrever os outros dois, talvez eu não dava escrever, talvez não deva lembrar, importante até esquecer. Está decidido. Eu não vou escrever. Mas lanço no ar uma prece, esperando que um anjo passe por perto e diga (Amém).

31.5.06

Madrugada

Palco sagrado dos sonhos idealizados, impossíveis.
Subversão absoluta de regras e conceitos,
quando os olhos fecham
e os corpos nus transcendem,
mimetizam uma realidade intensa e pura.

Improvisação, contratempos, pausas...

As línguas dançam a canção da alma
Não se perguntam pelo fim.
Os corpos sem governo
brincam (juntos) de acreditar.

Enredo, distância, universos em colisão.
Tudo é um sonho...

Na luz quente do sol da tarde,
derreto os ponteiros.

Desejo a madrugada.

20.5.06

Tentando falar de esperanças

La maza
(Mercedes Sosa)

(Escute)

Si no creyera en la locura
de la garganta del sinsonte
si no creyera que en el monte
se esconde el trino y la pavura

si no creyera en la balanza
en la razón del equilibrio
si no creyera en el delirio
si no creyera en la esperanza

si no creyera en lo que agencio
si no creyera en mi camino
si no creyera en mi sonido
si no creyera en mi silencio

qué cosa fuera
qué cosa fuera la maza sin cantera
un amasijo hecho de cuerdas y tendones
un revoltijo de carne con madera
un instrumento sin mejores pretensiones
que lucecitas montadas para escena

qué cosa fuera, corazón, qué cosa fuera
qué cosa fuera la maza sin cantera
un testaferro del traidor de los aplausos
un servidor de pasado en copa nueva
un eternizador de dioses del ocaso
júbilo hervido con trapo y lentejuela

qué cosa fuera, corazón, qué cosa fuera
qué cosa fuera la maza sin cantera

si no creyera en lo más duro
si no creyera en el deseo
si no creyera en lo que creo
si no creyera en algo puro

si no creyera en cada herida
si no creyera en la que ronde
si no creyera en lo que esconde
hacerse hermano de la vida

si no creyera en quien me escucha
si no creyera en lo que duele
si no creyera en lo que quede
si no creyera en lo que lucha

qué cosa fuera
qué cosa fuera la maza sin cantera
un amasijo hecho de cuerdas y tendones
un revoltijo de carne con madera
un instrumento sin mejores pretensiones
que lucecitas montadas para escena

qué cosa fuera, corazón, qué cosa fuera
qué cosa fuera la maza sin cantera
un testaferro del traidor de los aplausos
un servidor de pasado en copa nueva

qué cosa fuera, corazón, qué cosa fuera
qué cosa fuera la maza sin cantera
un eternizador de dioses del ocaso
júbilo hervido con trapo y lentejuela
qué cosa fuera, corazón, qué cosa fuera
qué cosa fuera la maza sin cantera

5.5.06

Madalena - Numa prece

Ensina-me tua vida, tua fé, ensina tua luta, tuas dores, dúvidas mais atrozes, me ensina.
Ensina-me teu martírio e as escolhas descabidas, embora humanamente éticas diante do oprimido.
Ensina-me teu silêncio, retiro, desterro, vazio.
Ensina.
Ensina-me teu amor, ensina de novo a dor de ser tua não podendo conter-te somente dentro do meu peito.
Ensina.
Também te ensino, na pequenez da minha vida a santidade de ser mulher.
Aprende o meu corpo.

4.5.06

UM CLOWN-BEAT

(por Geraldo Magela Matias)

Há anos escutamos e testemunhamos discursos e fatos. A História parece uma velha gagá que vive repetindo as mesmas tolices, verborragias. Confesso que não suporto mais abrir as folhas enormes dos jornais, assistir telejornais e ouvir repórteres em emissoras de rádio. A situação é similar no cinema, no teatro e na literatura. As passeatas clamando por paz, muçulmanos entregando seus corpos ao terrorismo, judeus exterminando palestinos, miséria quase total na África, subdesenvolvimento crônico na América Latina (...) Continua

1.5.06

Flor da idade


Uma noite. Essa noite, longa. Longuíssima.
Relembrei enredos, revisitei mitos pra reavivar os motivos da insônia. Encontrei o roteiro de um drama, da tragédia que eu queria reescrita. E foi de fato.
Medéia, a feiticeira, virou Joana, macumbeira, costureira de bunda murcha e peitos caidos, vazios, comidos pelos filhos do seu grande amor.
O livro do Poeta nas minhas mãos, ficando marcado de suor, de restos, fragmentos da pele dos dedos. Nos cantos a saliva, lágrimas e sonhos.
Curiosa eu olhava. Até onde isso vai? Uma praia, o mar, outros sertões, cubículos num universo de concreto. Prisões.
Meu sangue escorria, serpenteando vales e memórias. Sagrada fonte da vida, longe da magia de seres míticos, reviravam as entranhas, estranhas ondas vontade.

Medo sim, lembro da voz do riso e choro. Já é muito tarde, preciso ir, preciso.
Sangue, tempo, pele, vinho, dias, suor, toque, pena, vida, dedos, saudade, tremor, pelos, vulva, dores, calor, calor, calor, calar.... Silêncio.
Meu peito estúpido trocava um samba por modinha.


A melodia, divido: (Ouve)

Flor da idade


A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor

Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor

Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
A gente sua
A roupa suja da cuja se lava no meio da rua
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua
E continua
Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor

Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava
Rita que Amava Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto
que amava a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha



Chico Buarque/1973
Para a peça Gota d´água de Chico Buarque e Paulo Pontes

22.4.06

Trinta segundos

Já é noite, a mesa posta, flores, velas.
Um último cigarro antes do enredo. A fumaça azulada envolve a sala. Conheço a névoa, ela é minha ponte. Quanto mais denso o ambiente, maior o meu domínio.
Uma garrafa de vinho, caro. É deste que ela gosta, eu sei.
Quando ele chega, eu o ajudo a se preparar. Arrumo a camisa, ajusto a gravata. Tudo tem que estar perfeito. Pra ela.
Ele tem lindos olhos, mirando o vazio. Acredita mesmo que é dono das suas vontades. Tolo.
Falta pouco, ela já está chegando. Meu coração bate rápido. Ele permanece imóvel.

- Entra, senta. Não tenha pudores.

Linda. Vestido vermelho, salto alto, olhos de uma doçura indescritível, um pouco tristes.
Minha deixa, a regência. Cada gesto, o tom das palavras, o ritmo dos corpos, tudo sob meu comando.
Ele serve o vinho, que eu trouxe. Espera minhas instruções. Ela se encanta com aqueles olhos, sem perceber seu vazio. Agradece àquelas mãos e não sente que são as minhas. Oferece-lhe a boca. Um sorriso, uma promessa, amor.
Faço meu trabalho. Os aproximo, provoco, deturpo. Será que não sabem nem beijar?

- Cola tua boa na dela, vai. E você deixa tua língua brincar no gosto do vinho, dele.


Nos ombros delicados as mãos firmes. Curvas estonteantes e as pernas e a camisa aberta...

Chega! Não posso mais olhar.

(Que gosto tem o vinho que envenena minha amada e a joga nos braços dele?
Porque não a minha boca que suplica pelo seu desejo?)


Estáticos. Pernas, braços e línguas esperam a próxima batida do meu coração.

Ela o beija. Ele lê nos seus olhos um mundo sem respostas.
Ela o ama. Ele esquece da carne e questiona sua existência.

Na próxima batida do meu coração, tudo estará acabado.

13.4.06

Mensagem de Páscoa






A morte é fato.
Durante a espera, um caminho vazio que pode aumentar o desejo de aproximar o fim.
Curioso perceber que apesar do niilismo há ainda diferentes perspectivas, e um dinamismo cíclico. Do começo ao fim, tudo muda. Cada pequena morte traz consigo a semente de uma nova realidade. Simplesmente outra.
Não sei se foi pela festa da gula por chocolates, mas acabei lembrando da abertura do Capra no seu livro Ponto de Mutação, tratando deste limite de morte e renascimento que pontua a vida.

“A término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força...O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí, portanto, nenhum dano.”

I Ching

Pra esse final de semana, desejo a todos, transformação.
Até a próxima morte.

11.4.06

Leitura

Cheguei cedo. O bar ainda estava fechado.
Esperei. Esperei. Cigarros como companhia.
Finalmente abriu. Subi. Tomei alguma coisa pra limpar a garganta, outro cigarro pra estragar um pouco a voz. Corpo travado pela ansiedade, mas presente. O ensaio. Grandes descobertas acontecem sempre no momento em que não se pode mais testar, treinar, só fazer.

O salto alto, camisa branca, paletó de linho, chapéu, batom e as pernas muito brancas, soberanas no universo cinza. Pronta.
Mais um jogo. Tensão.

Espera. Pessoas chegando. Relógio no bolso, não vou olhar mais. Olho de novo.
Gente chegando? Pouco. Mais um pouco. Só mais cinco minutos.

Tomo meu lugar na arena, na cena, na vida.
A música. Não a minha. Billie Holiday, sensual e arrebatadora. Eles. Escuto.

O tango, minha deixa.
Faz tantos anos. Ainda sei o que é isso? Como se faz? Como se perder pra encontrar depois, livre e orgânico?...
Eu lá, impositiva, passional. Vulgar? Talvez pouco, não na medida certa. Mas eles gostam. Era pra gostar? São as pernas, o sorriso ou eu que me perdi nas intensões?

Paixão sim, isso eu quis. Quero.
Passou a piada, não riram. Vai mal. Engasgo, tropeço, atropelo, esqueço, rio. Feliz. Foda-se a piada. Eles são meus. Todos eles. Olhos atentos a cada pausa. Respirar. Torcem por mim. Não era assim que tinha que ser. Soube depois.
Músicas, marcas, pausas e palavras. Chega ao fim. 10, 15 segundos de vazio. Sem o texto onde me refugiar, exposta, excessivamente maquiada, pernas abertas diante de olhos e bocas e mãos desconhecidas. Eu lá, imóvel, retendo o ar...................

Aplausos pra me tirar do precipício.
Sorriram, acenaram, buscaram meus olhos tentando me dizer alguma coisa.
Parece que gostaram, funcionou.
Entenderam minha paixão?! Perceberam o limiar desafiando a lógica, provocando os sentidos...
Caramba, funcionou mesmo? !
Depois foram rostos e palavras, nomes, contatos. A auto-estima se constrói nos outros. Fiquei feliz.
Lá fora do bar, chuva. De novo.
Porque não me sinto realizada?
Pergunta extremamente idiota. Ele não estava lá. Faltaram seus olhos pra me roubar a concentração, seus ouvidos pra quem eu pudesse me projetar sem sofrer, faltaram suas mãos pra contar, direitinho tudo o que se viu. Faltou sua boca.
A chuva do domingo me levou pra longe, bem longe.
Dentro de mim, uma cadeira vazia.

8.4.06

Toque



(Peguei sem pedir...)


Um curta experimental chamado Danae, postado no Porta Curtas, patrocinado pela estatal Petrobras é digno de seus olhos. Homens e mulheres querem ser tocados, sentidos e beijados - prova de que o corpo existe, num mundo insólito e que descarta tudo, até a arte é descartável. A salvação vem no corpo de uma possível mulher que tem nome de arcanjo, Gabriel. A mulher, abandonada pelo macho, queria prazer, ser sentida, assegurar sua existência. Aparece esse ser, Gabriel, até porque arquétipos hoje em dia são provisórios. Gabriel ensina a mulher a ir em busca. Não ficar esperando. Numa atitude que poderia ser considerada ousada, mas não é mais, a mulher vê um homem angustiado, à sombra de uma árvore. Os sons da metrópole neurotizante não abafam os sussurros dos personagens. O único silêncio dos personagens é em relação aos enormes discursos disfarçados de diálogo. Apenas falas curtas, introspecção total; o único desejo de ódio é imaginado (como sempre acontece no dia a dia) pela mulher: atropela o homem que a abandonara segundos antes. O audio refere-se ao Islamismo, conotando a bestial violência do mundo masculino e machista. Mas Gabriel, arcanjo mensageiro, tráz uma mensagem de salvação. E quem a recebe é Maria, o nome da mulher solitariamente carente. Maria obedeceu, como a mãe de Jesus: "faça-se, Senhor, segundo a vossa vontade". E Maria percebeu que para receber é preciso dar. Você assiste a esse e outros tantos curtas no site http://www.portacurtas.com.br.

Geraldo Magela Matias é jornalista.

6.4.06

Flamenco

(Lendo Geraldo Magela Matias)

Há muito tempo vivo nas águas. Sempre os pés molhados, olhando a praia. Muitas vezes me deixando levar pelas correntes, sem rumo. Volto sempre ao princípio. Dizem que a água é signo de sentimento.
Há poucos dias numa crise de dor, de asma, me afogando, ouvi alguém me chamando a bater os pés no chão e dançar tirando da terra o sustento e a certeza. Aquele impacto da terra seca nos pés e da inundação do peito provocou um sisma.
Sem lembrar de motivos, chorei. Sem saber explicar, chorei muito, até recuperar o fôlego perdido.
Não pretendo decifrar signos. Hoje os sentimentos não me sufocam mais, e as incertezas se acomodam debaixo dos meus pés.

Geraldo, você quer dançar?

Pergunta de criança

Eu assistia ao filme O Pianista, com meu filhinho. Ele tem 5 anos.
No filme, tanta dor, judiação...
Meu pequeno me fulminava de perguntas. Mas porque? Porque matou o homem? Porque bateu no menino? Porque ele parou de chorar? Porque morreu?
Eu tentava explicar que o filme mostrava um tipo de maldade humana, que existiu na época que o filme conta e ainda existe. O filme conta uma história, é feito sem machucar ninguém, tudo é de fantasia. Mas a maldade que ele conta é verdadeira.
Aquele rostinho inquisidor não me dava trégua. Porque o filme mostra a maldade? Ele mesmo arriscou um palpite: É pra ensinar e ninguém mais fazer maldade? É isso sim filho.
Não dava mais. Tive que perceber que era demais pra ele. Desliguei o filme e fui levá-lo pra cama, fazer cafuné, contar estorinha, dar beijos, muitos beijos de boa noite.
De repente me chamou e disse: Mamãe, lá no seu teatro faz história de maldade?
Tudo o que fiz foi sufocar meu choro num abraço demorado e dizer que não, mesmo doendo muito.

4.4.06

É a lei.

O que o amor une,
o desamor do tempo apodrece,
gangrena,
contamina,
mas não solta.

3.4.06

Homenagem ao Louco - Claudio Rosa

Ele é intenso, apaixonante, viril.
Me deixa maluca, quando me roça a nuca com a barba malfeita...
O teatro.

Ela, não conheço muito bem.
Claro que a vejo, invejo, admiro.
Até guardo um desejo secreto, um flerte.
Parece que ela nunca vai me notar...
A literatura.

Fugindo às convenções,
prefiro olhar a minha volta,
sorrir pra quem me faz bem
e descobrir que graça a vida tem.

Seja ele ou ela.
Me entrego ao Amor e à Paixão
me embriagando no mundo das palavras.

1.4.06

Capítulo das perguntas - nº 7

Por que dói tanto?

Os ombros nem se movem, curvados pra frente, ensaiando uma queda definitiva.
A garganta, reclama da obrigação da falar. Vingança. Som monocromático, linear, inseguro, vazio.
O peito engessado não se enche de ar. Não tem espaço pra expandir, represando sentimentos como uma esponja.
Os olhos ardem e não choram. Logo vertem areia pelo rosto, eternemente sonolento.
O ventre se rebela. Não é hora. Suspiros contidos pelo aprendizado social de não reclamar e obedecer às regras. As minhas, costumeiramente estéreis.
As pernas me suportam sem reclamar. Mas imprimem uma falta de impulso e vivacidade.

Braços cansados, jurando uma bandeira que não me serve.
O cérebro vagueia, sem vontades.

É pra se suportar e calar?

Eu sei, lembro bem...
Disse que não ia me apaixonar.
Agora acho que não tenho escolha.

30.3.06

Resposta













Parti de uma folha de papel branco desenhado de palavras a construir uma realidade paralela.
Precisava conhecer a mente criadora, mergulhar num universo denso, enevoado, obscuro do que seja o instante da criação do texto.
Sem pensar me joguei em cartas, frases, memórias de vozes. Escolhi fragmentos de corpos que me trouxessem pra perto um autor idealizado ao avesso.
Busquei a embriagues pra justificar clichês. Encontrei na fumaça dos cigarros um lapso temporal em que a obra toma vida própria e subverte o poder do escritor.
Num único domingo, de solidão extrema, tomei uma overdose de cinema noir. Sombras e contrastes, tudo cinza, o tango, o cigarro, a narrativa que nos leva pra dentro da estória como fiéis confidentes de personagens maravilhosamente imperfeitos.
Ainda não consegui chegar no fundo. Estou caindo.
Minha busca prossegue e a paixão desta vez faz parte da cena. Não posso fugir.
Quem entende a mente de um escritor apaixonado por sua musa?
Não. Não sou eu, a musa. Sou só o reflexo do arrebatamento.

27.3.06

Capítulo das perguntas - nº 6

Meu pai, marceneiro talentoso, me prometeu que fará os elementos de cena pra nosso espetáculo, e disse que isso é um incentivo de pai à minha carreira.
Começamos a calcular quantidades de MDF para colocar no projeto de patrocínio junto às madeireiras. Fiquei surpresa quando papai disse que o melhor seria fazer uma vaquinha com o pessoal da peça pra comprar o material. Bem melhor do que ficar mendigando pedacinhos de madeira!

Então é assim que somos vistos? Mendigos de retalhos e sobras. Mas e a contrapartida financeira, a exposição do nome e da marca, o marketing no saguão do teatro? Não deveria ser uma parceria, uma troca de interesses que ao final possibilitam o acontecimento teatral?

Que susto. Fiquei imaginando o que passa pela cabeça das pessoas com relação aos prêmios de fomento à cultura.

Eu e papai conversamos por mais de uma hora. Ele entendeu o funcionamento da parceria e do patrocínio e me deu uma folga. Só os sentimentos de inadequação e angústia ficaram martelando na minha mente.

24.3.06

Distração

Hoje saí para comprar matéria-prima para meu trabalho. Uma chapa de borracha de EVA. Já tinha ido até lá muitas vezes, na Avenida Rangel Pestana. Como em São Paulo tudo demora, levei o tocador de CD com uma seleção musical que só quem me conhece é capaz de entender: Astor Piazolla com Libertango, Carlos Gardel com Scent of Woman e Zeca Baleiro cantando Isso Aqui ta Bom Demais do Dominguinhos.

Ouvi o Cd no ônibus repetindo as músicas várias vezes e me deixando levar pela mistura de sons, e imagens que se formavam na minha mente distraída, que quase esqueci de descer no ponto do Metrô Parque Dom Pedro.

Já na calçada, liguei o piloto automático e comecei a andar no ritmo do Perfume de Mulher. Pena que esqueci de ajustar a rota. Andei por uns quinze minutos na Avenida Alcântara Machado, sem perceber que ela não tinha as mesmas lojas que eu conhecia há uns cinco anos. Foi preciso alcançar o Viaduto Alcântara Machado pra eu perceber que estava no lugar errado! Um pouco confusa comecei a pensar numa maneira de chegar a Rangel Pestana sem ter que voltar o caminho todo. Não tive dúvidas e entrei à esquerda numa ruazinha que tinha toda cara que ia me levar exatamente pra fora da rota, só que empolgada com os tangos e impetuosa como nunca enfrentei a sensatez e encarei a viela. Piazolla e Gardel se revezavam na imposição do ritmo dos meus pés. Era tão intenso e vibrante que eu quase corria, percorrendo uma distância grande, de um lugar cada vez menos familiar.

A certa altura resolvi acender um cigarro, mas o vento não colaborava e tive que parar. Eu devia estar com cara de tango, ou sei lá o que, e quando dei por mim tinha um homem, aparentemente uns cinqüenta anos vindo direto na minha direção. Ele falou comigo qualquer coisa que não ouvi, com os fones quase no último volume, mas acho até que percebi do que se tratava.

Estava me perguntando quanto era? É isso? Deseducadamente, como também não tinha ouvido sua pergunta eu continuei meu caminho. Numa fração de segundo eu revisei toda minha roupa pra ver se estava dando essa pinta: Minha mini saia nem era tão mini assim, a blusa azul clarinha não tinha atrativos, quem sabe as unhas compridas e pintadas de vinho. Sei lá. Alguns metros depois tudo foi esclarecido, eu tinha parado para acender o cigarro bem na porta da zona!

Continuei minha caminhada, rumo ao lugar errado, agora com mais elementos pra brincar no meu cérebro e me distrair do meu objetivo que era comprar EVA. Sol muito forte. Passos rápidos. Música alta. O cigarro. O puteiro. Minha cabeça assumiu a brincadeira de ir por sua conta e passei a imaginar a cena: No palco o tango. Ele de chapéu cobrindo o rosto, ela lindíssima, de vestido vermelho. Rostos fechados, só o peito pulsando demonstrava a grande paixão daqueles corpos. A conquista, o desejo, o amor. Pernas e braços impetuosos e cínicos se enlaçando ora como gatos macios e sensuais, depois como cobras prontas pra traição.

Nesse clima saí finalmente das vielas e me deparei com a rua da Mooca. (Bem fora do objetivo que era a Rangel Pestana). Minha única chance era seguir até o final, alcançar a Avenida do Estado, chegar novamente ao Metrô e começar do ponto inicial, cuidando pra entrar na rua certa, desta vez. A essa altura já estava no segundo cigarro, as pernas já meio bambas pela caminhada forçada e o sol ainda mais forte. Distraí-me do tango e começou a tocar o chote de Dominguinhos. Imagina eu andando, rindo do meu péssimo senso de direção e cantando no meio da avenida: Olha que isso aqui ta muito bom, isso aqui ta bom demais. Olha quem ta fora quer entrar, mas quem ta dentro não sai!

De novo os neurônios tomaram conta da situação, mas dessa vez de um jeito engraçadíssimo. Eram a linda mulher de vermelho e o amante latino dançando uma deliciosa quadrilha de São João e minha imaginação dava o tom da insanidade pro novo jogo de conquista e desilusão do casal de amantes.

Pra resumir. Achei a avenida, achei a loja, comprei o EVA, passei num bar pra comprar outro maço de cigarros, andei mais uns 15 minutos até o ponto de ônibus e voltei pra casa com uma cena novinha, brincante no meu cérebro. Até poderia virar cena de verdade e ir pro palco, por que não? Será que algum louco seria capaz de criar essa baderna toda, ou isso é delírio meu sob efeitos da nicotina e do Sol?

Maluquice?!

Pois é! Olha que isso aqui ta muito bom.
Isso aqui ta bom demais.
Olha! Quem ta fora quer entrar.
Mas quem ta dentro não sai.

21.3.06

É o ator um inimigo de si mesmo?

Por Johnny Kagyn

Olhe para si e para o caminho que o trouxe até aqui. É um caminho longo, curto? Não importa a extensão o que lhe trouxe até aqui foram sonhos. Sonhos íntimos. Sonhos inconfessáveis. Sonhos. Olhe para si e veja apenas você mesmo. Seus olhos, seu caminhar, a maneira como seus braços balançam. Seus medos, seus erros, o que te fez chorar. Este é você, o ator.

Agora sem deixar de enxergar a si próprio, responda: o quanto você está disponível a mostrar deste corpo, desta alma e desta mente? Pouco, muito?
Agora, considerando-se apenas ator e não mais ser humano, olhe para si como instrumento.
Olhe clinicamente para cada parte deste instrumento. Analise impiedosamente tudo.
A única pessoa a quem você não deve enganar é a si mesmo. Liste suas virtudes. Liste suas imperfeições. Seja impiedoso consigo mesmo.
Enxergue-se como o seu próprio inimigo. Aquele a quem você deve vencer, superar e subjugar. Quanto você está disposto a subjugar de si mesmo?

Ser ator exige uma busca e uma luta constante dentro de si mesmo. Exige que se seja sincero. Exige disponibilidade para se expor. Exige coragem para ver suas imperfeições e livrar-se de suas máscaras sociais.
Você está disposto?

Trabalhe!
Trabalhe para vencer seus automatismos, suas idiossincrasias, seus limites e seus domínios.
Trabalhe para criar a personagem. Trabalhe para destruir-se.
Esteja disponível para o erro. Busque o acerto.
Agora pare.

Deste ponto em diante lhe será exigida a disponibilidade.
Deste ponto em diante lhe será exigida a vulnerabilidade verdadeira.
E apenas você pode verdadeiramente fazer estas exigências.
Leve em consideração que ir além deste ponto pode significar destruir-se dolorosamente; e continuar neste ponto vai significar acomodar-se no seu confortável nível atual.
Por você só você mesmo deve decidir.

Johnny Kagyn é dramaturgo do Coletivo SuperNova

Kagynkagyn@msn.com

http://infinitoparticular.blogspot.com/

17.3.06

Sono

Quando sabe é Deus.
Quando não sabe é vírus.
Transito mole, fluido, confuso num limiar de névoa.

Fumaça do cigarro,
ardor dos olhos,
a dor na garganta,
e o amor que dói mais.

Capítulo das perguntas - nº 5

Por Fernanda Sanches
O que, dentro de mim, torna as coisas tão difíceis?

...respondendo com outra pergunta:
Por que você não reage?

14.3.06

Capítulo das perguntas - nº 4

Há chaves lógicas em tudo a nossa volta. Como nas moléculas de DNA, são apenas seis substâncias chamadas genericamente de aminas, que combinadas duas a duas, formam uma corrente com informação para o funcionamento de todo o ser vivo.
Pensando no nosso corpo. Se faltarem algumas dessas aminas importantíssimas, vitais, as vitaminas, o corpo sofre e adoece. Não funciona corretamente.

Faltaram as chaves da vida.

Existe uma inteligência orgânica presente também na literatura, nas artes e, como é meu caso, na dramaturgia. O texto teatral existe para a cena. Não se encerra nas palavras. Aí é que entra um trabalho para o ator, que vai muito além da cena e a precede. O estudo e compreensão do objetivo da peça, seu tema, o conflito central e os estranhamentos paralelos que o compõem. Mas existe aquela chave. A lógica, às vezes óbvia, mas nem sempre, que dá sentido e amarra todo o enredo dentro de uma unidade harmoniosa.

Estou às voltas com uma questão. A busca dessa chave dentro do texto teatral pode ser enriquecedora e trazer resultados surpreendentes. Mas se a tal senha existe, porque ela não é revelada pelo próprio autor?

Conquistar o entendimento pleno do texto dramaturgico, através do processo de ensaio tem afinal mais valor no resultado estético do que teria se fosse instruído diretamente pelo autor?

Acho que adivinho a resposta de vários amigos. Parece óbvio... O processo, a descoberta, a conquista...

Mas preciso aprofundar o questionamento. Enquanto isso me estico, pulo e subo em pedras, pra alcançar a minha chave, que eu sei que existe, pendurada ali no alto, fora do alcance das minhas mãos.

10.3.06

Capítulo das perguntas - nº 3

Posso fazer de novo?
Fazer de novo é fazer outra vez ou fazer novo o novo?

9.3.06

Capítulo das perguntas - nº 2

Devemos aceitar jogar, se não concordamos ou não entendemos as regras?

Desejo dos Perpétuos



Só há uma coisa pra se ver no reino crepuscular de Desejo. É o que se chama limiar, a fortaleza do Desejo. Desejo sempre morou no limite. O limiar é maior do que podemos imaginar. É uma estátua de Desejo, ele ou ela própria. (Desejo nunca se satisfez com um único sexo. Ou apenas uma de qualquer coisa... Exceto, talvez, o próprio limiar.) O limiar é um retrato do Desejo, completo em todos os detalhes, erguido, a partir de seus caprichos, com sangue, carne, osso e pele. E, como toda verdadeira cidadela desde o início dos tempos, o limiar é habitado. O lugar só tem um ocupante neste momento. O Desejo dos Perpétuos.
O limiar é grande demais para apenas uma pessoa. Contém dois tímpanos maiores que uma dúzia de salões de baile. E veias vazias e ressonantes como túneis. É possível andar nelas até envelhecer e morrer sem passar novamente pelo mesmo lugar. Entretanto, dado o temperamento de Desejo, só há um lugar em toda a catedral de seu corpo que lhe serve como lar. Desejo mora no coração.
É improvável que qualquer retrato consiga fazer jus a Desejo, pois vê-la (ou vê-lo) seria o mesmo que amá-lo (ou amá-la) - apaixonadamente, dolorosamente, até a exclusão de tudo o mais. Desejo exala um perfume quase subliminar de pêssegos no verão e projeta duas sombras: uma negra e de nítidos contornos; a outra sempre ondulante, como neblina no calor. Desejo sorri em breves lampejos, da mesma forma que o brilho do Sol reluz no gume de uma faca. E há muito, muito mais do gume de uma faca na essência de Desejo. Jamais a (o) possuída (o), sempre o (a) possuidor (a), com pele tão pálida quanto fumaça, e olhos aguçados como vinho. Desejo é tudo o que você sempre quis.

Quem quer que seja você.
O que quer que seja você.
Tudo.


Sandman - Gaiman / Zulli / Muth / Vess

Capítulo das perguntas - nº 1

Comer, transar e ver TV.
No mesmo nível de importância...
Porque ver televisão virou necessidade básica da pessoa moderna?
(Há quem não assista!).

2.3.06

Eu posso fazer melhor?

Ontem fui ao teatro. Feliz como a moça ingênua que leva uma cantada. Aquela sensação momentaneamente saborosa, que nos faz acreditar que somos especiais. Ilusão. Mentira. A peça tinha ingresso a preço popular. R$ 1,50. E eu fui maquiada, produzida, gastar minhas moedas, pra fazer de conta que sou "gente de teatro".

Uma pena. Espetáculo ruim. Nada que se pudesse salvar. A cada cena eu me sentia mais triste, por ver colegas de profissão numa realização tão pequena. Com sinceridade, eu me compadecia e me identificava com aquele sofrimento. Novas falas, novas ações.


- Não pode ser. Que ruim... Não pode ser. Parece um pesadelo.

Uma pergunta me torturava:


Eu faria melhor? Em quê?
Deprimida eu escondia meus sentimentos.
Eu não faria melhor...
___________________________________________________


Hoje pela manhã eu olhei para meu trabalho, que deveria ser o sustento meu e de meu filho. Senti náusea. Deve ser fome, vou tomar café. Não tinha pão, nem leite, nem margarina, só um resto de café, de ontem.

Tem que comprar! Peguei a bolsa, revirei a carteira, a bolsinha de moedas... Nem um real. Vazio...

Ta. Pego no banco. Antes vou olhar o saldo, pra saber como anda aquele inferno flamejante. Me queimei. Não dá. Não posso tirar nem dez, nem cinco, estou devendo muito além dos limites do cheque especial. A constatação maior foi que eu esgotei até as tetas do banco. Nada. Seco. Vazio. Só tinha ali o aviso, das próximas contas a serem confortavelmente debitadas do meu saldo nulo.

Passada a vertigem inicial, comecei a recolher papéis, contas, tabelas e sonhos esparramados na mesa de trabalho.


-Não pode ser. Que ruim... Não pode ser. Parece um pesadelo.

E as perguntas continuam a me torturar.

O que andei fazendo dos meus sonhos, que caminhos escolhi pra realizar as minhas necessidades? Não tenho outra chance, nem posso descer do palco. Minha vida é essa e estou deixando meu enredo azedar.

Pergunta... É minha vida, porra!

Eu posso fazer melhor? Em quê?
Deprimida eu escancaro meu fracasso.
Eu não sei fazer melhor.

Num bosque - Fui ver

Fazendo a roda girar, nas CNTPs!
Link 2

Vejam também os sustos, lamentos e gemidos de:

Claudio Rosa -
Quis ter ido ao Teatro
Johnny Kagin - Num Bosque (Já começou mal pelo título)
Alissandra Rocha - Fomos ao Teatro e... O Teatro não estava lá!

26.2.06

Eu sou aquela

Fazendo a roda girar, nas CNTPs!
Link 1

25.2.06

Amamentar é um ato de amor

Foram muitos meses de preparação e expectativa. O barrigão cresceu até quase explodir e não tive mais como segurar. O blog nasceu e é uma menina. Pálida. Pequena. Chorosa como quê. Chama-se Branca. Como a folha de papel virgem. Branca Dias.
O trabalho de parto foi o que é. Tinha que estar doendo muito, pra eu saber que era a hora. Eu soube. Fiz a minha parte, sem melodrama.


A aqui estamos nós. Engana-se quem pensa que o difícil passou. Agora vou amamentar.
Você sabia que o bebê não nasce sabendo mamar? Ele tem o instinto de chorar por fome e sede, e o reflexo de sugar o que lhe chegue à boca, mas mamar é bem mais complexo que isso. E quem tem a obrigação de ensinar o filhote a sugar o peito, fazer força em troca do alimento, suar as pestaninhas brancas? A mãe que também não tem a menor idéia de como tudo isso funciona.
E dói. Bastante mesmo. Fica em carne viva e sangra e inflama. E você não pode tirar a boquinha nervosa do peito, negar o alimento à sua criança. Tem que ter amor demais pra aprender e ensinar ao recém nascido que a regra maior de sua vida é lutar pelo seu alimento.

Assim estamos eu e Branca. Nos conhecendo. Mergulhei de cabeça, já que não posso mais negar sua existência, mas ela já tem me roubado horas de sono e exigido dedicação. E os seios estão um trapo. Rachados, mastigados, febris. Não me venham com aulas toscas de anatomia, que eu quero deixar aqui a imagem que eu tenho: As fontes da vida, o alimento do filho, moram perto do coração da mãe.

Lembro do meu filho Gabriel. Hoje tem 5 anos.
Foi tudo igualzinho: as dores, o parto, o sono e as feridas.
Ficamos nessa dor por quase um mês e meu bebê parecia um rato branco, não ganhava peso. Eu chorava de dor, ele chorava de fome. Ele exigia com sua vozinha potente, de anjo anunciador, o que lhe era direito e eu fazia o meu melhor. Fuzilava com os olhos quem me falasse em mamadeiras. Queria fazer o que é certo. Eu era o certo... durante quase um mês eu o fiz passar muita fome. Ao final, estavamos esgotados. Ele fraquinho e eu derrotada. Eu não produzia a quantidade necessária de leite. De tudo o que já errei na vida, nada pesa tanto em minha consciência quanto os olhinhos fundos, de um anjo desnutrido. Meu filho.

Mas foi por um mês. Quando finalmente aceitei que poderia ser uma grande mãe se reconhecesse meus limites. Evidentemente tudo ficou mais facil. Ele amou as mamadeiras muito mais do que a mim, mas aceitou mamar no peito antes de dormir, e eu encontrei a paz de uma noite de sono.


___________________________________________________

Bom. Barrigas crescem. Crianças nascem o tempo todo. E os seios fartos jorram leite nos forros de algodão, nas camisas, nas blusas. Meu filho com 7 meses já não ligava nada praquele meu aconchego e eu, da minha vida calma, assistia ao crescimento demográfico da família a minha volta.

Certo dia, uma prima com seu filhinho de quase três meses, apareceu em casa toda descansada, serelepe e feliz, com os seios quase estourando de tão cheios e disse que estava desmamando o filho, porque não aguentava mais acordar a cada três horas pra amamentar. Nesse dia eu soube o que era ódio. Jamais senti nada igual na minha vida.

Também pela arte, pela vida sinto ódio de quem empedra seu telento ao redor do coração. Seja por dinheiro, ou por não dar importância, espera que a fúria seque, ignora a náusea, cochila sossegado enquanto o mundo agoniza. Deixa azedar a esperança.
Quantos lutam desesperadamente pra tirar de dentro de si algumas gotas de vida, enquanto outros, a tem escorrendo pelo ralo.
NÃO! Enquanto existirem bocas, olhos, ouvidos famintos de amor, informação, coerência, indignação, será dever do artísta botar os seios pra fora e deixar jorrar o leite.

___________________________________________________

Psssssssiu... Ela está mais calma agora. Minha pequena de barriguinha cheia e sorrizo no rosto. Vou descansar. Logo mais ela acorda e eu estarei aqui. Fazendo o meu melhor.

Muitas vezes uma musiquinha nos atormenta, insistindo em ficar na memória, reverberando. Felizmente algumas frases interessantes, citadas ou originais, tem também esse comportamento.
Lendo, vivendo e quase sem refletir, deixei nascer uma dessas, que me acompanha há dias. Queria muito alojá-la numa crônica, ou lançá-la ao vento numa cena, mas minha ficção é miserável e o contexto todo da tal frase não cabe contar aqui.
Resolvi somente registrar minha impertinente companheira, sem dar maiores explicações.


"O meu afeto, ferido de morte, sangra na tua presença."

23.2.06

Postagem Inaugural

















Sou leitora, essencialmente. Atriz. Não sou escritora. Até com a dramaturgia minha intimidade chega somente à experiência cênica. Nunca publiquei um artigo, nem escrevi uma cena que fosse. No entanto, interagindo virtualmente com inúmeras pessoas, lendo blogs, criando laços e fazendo tudo isso através do teclado, comecei a sentir necessidade de registrar algumas impressões.
Um amigo me disse, certa vez, que o artista sofre porque tem que olhar o mundo pelo outro, e ainda tem que representar. É exatamente meu desejo. Não quero ver pelo outro e dar as respostas, não sou capaz disso. Quero ver o mundo e reagir a ele com indignação ou doçura, com espanto ou paixão. Este é meu desejo como atriz e vou tentar criar um paralelo aqui na grande rede. Talvez eu não consiga escrever artigos sólidos, bem acabados, estilisticamente corretos. Vou colocar aqui minhas impressões. Pode ser sobre um livro, um espetáculo ou até sobre os blogs dos amigos. Impressões, dúvidas, risos, respostas aos estímulos à minha volta.
Escolhi pra dar o primeiro passo uma carta virtual que escrevi a alguém. Transcrevo na íntegra.



“Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar, nem mesmo em troca da Liberdade. Nem mesmo em troca do sol”.

Boa noite, meu amor.

Hoje fui almoçar com uma amiga. Um encontro que eu estava devendo, já que faltei ao café que tínhamos combinado no último final de semana.
Conheço muito bem o trânsito e o clima daqui. Calor forte, pancadas de chuva e horas perdidas nos ônibus. Saí preparada, não com um guarda-chuva, mas com um livro que gosto muito. O Santo Inquérito de Dias Gomes.
É incrível como me emociona a história, mesmo depois de várias leituras. Hoje, no ônibus, comecei a chorar já no prefácio de Yan Michalski... Enfim, me entreguei ao texto.
Branca Dias, você conhece? É uma jovem paraibana, neta de cristãos novos, que percebe a presença de Deus nas coisas simples. Acredita no amor, na natureza e no prazer. Qualquer forma de prazer como o vento nos cabelos andando a cavalo, um banho de rio numa noite quente, um toque, quase sem querer, no corpo de seu noivo Augusto, ou até um bom prato de carne seca apimentada.
Tendo sua fé baseada no amor e certa da pureza de seus sentimentos, ela é acusada de heresia. É justamente sua certeza que a incrimina. Aos olhos do tribunal ela é culpada e precisa ser salva através da confissão e humilhação pública, ou morrer para expiar seus pecados. Ela só entende as armadilhas da incomunicabilidade quando já não pode mais voltar atrás.
Contundente. Simples e belo do começo ao fim!
Ao final da peça, desci do ônibus. Chuva, muita chuva. Granizo, galhos pela rua, uma pequena multidão abrigada em cada loja.
Eu só pensava na jovem Branca, amante da natureza, apaixonada pelo revolucionário Augusto.
Ninguém percebeu meus olhos vermelhos. Ninguém entendeu meu riso feliz, andando sob a chuva forte de São Paulo.
E eu só queria um par de olhos pra esse meu momento de graça...