22.4.06

Trinta segundos

Já é noite, a mesa posta, flores, velas.
Um último cigarro antes do enredo. A fumaça azulada envolve a sala. Conheço a névoa, ela é minha ponte. Quanto mais denso o ambiente, maior o meu domínio.
Uma garrafa de vinho, caro. É deste que ela gosta, eu sei.
Quando ele chega, eu o ajudo a se preparar. Arrumo a camisa, ajusto a gravata. Tudo tem que estar perfeito. Pra ela.
Ele tem lindos olhos, mirando o vazio. Acredita mesmo que é dono das suas vontades. Tolo.
Falta pouco, ela já está chegando. Meu coração bate rápido. Ele permanece imóvel.

- Entra, senta. Não tenha pudores.

Linda. Vestido vermelho, salto alto, olhos de uma doçura indescritível, um pouco tristes.
Minha deixa, a regência. Cada gesto, o tom das palavras, o ritmo dos corpos, tudo sob meu comando.
Ele serve o vinho, que eu trouxe. Espera minhas instruções. Ela se encanta com aqueles olhos, sem perceber seu vazio. Agradece àquelas mãos e não sente que são as minhas. Oferece-lhe a boca. Um sorriso, uma promessa, amor.
Faço meu trabalho. Os aproximo, provoco, deturpo. Será que não sabem nem beijar?

- Cola tua boa na dela, vai. E você deixa tua língua brincar no gosto do vinho, dele.


Nos ombros delicados as mãos firmes. Curvas estonteantes e as pernas e a camisa aberta...

Chega! Não posso mais olhar.

(Que gosto tem o vinho que envenena minha amada e a joga nos braços dele?
Porque não a minha boca que suplica pelo seu desejo?)


Estáticos. Pernas, braços e línguas esperam a próxima batida do meu coração.

Ela o beija. Ele lê nos seus olhos um mundo sem respostas.
Ela o ama. Ele esquece da carne e questiona sua existência.

Na próxima batida do meu coração, tudo estará acabado.

4 comentários:

Anônimo disse...

Depois de rever "Vinicius", só tenho uma coisa a dizer: és poetisa. Não pare!
Um beijo e o respeito lírico-sentimetal que só aos amigos, poetas e poetisas ainda dedico.
Cuide-se.
Ronaldo Faria

Claudio Rosa disse...

Dionisiacamente...ah...
Trinta segundos de Adelaide...
Para que tanta voluptuosidade?
Ah...carne...desejo carnal.
Uma fome anormal...
Carne e vinho, vinho e carne...
De maneira obvia e inteligivel ...
A criação da cena.

Anônimo disse...

Força, menina. Cuide-se!
Ronaldo Faria

Anônimo disse...

Uau.