1.5.06

Flor da idade


Uma noite. Essa noite, longa. Longuíssima.
Relembrei enredos, revisitei mitos pra reavivar os motivos da insônia. Encontrei o roteiro de um drama, da tragédia que eu queria reescrita. E foi de fato.
Medéia, a feiticeira, virou Joana, macumbeira, costureira de bunda murcha e peitos caidos, vazios, comidos pelos filhos do seu grande amor.
O livro do Poeta nas minhas mãos, ficando marcado de suor, de restos, fragmentos da pele dos dedos. Nos cantos a saliva, lágrimas e sonhos.
Curiosa eu olhava. Até onde isso vai? Uma praia, o mar, outros sertões, cubículos num universo de concreto. Prisões.
Meu sangue escorria, serpenteando vales e memórias. Sagrada fonte da vida, longe da magia de seres míticos, reviravam as entranhas, estranhas ondas vontade.

Medo sim, lembro da voz do riso e choro. Já é muito tarde, preciso ir, preciso.
Sangue, tempo, pele, vinho, dias, suor, toque, pena, vida, dedos, saudade, tremor, pelos, vulva, dores, calor, calor, calor, calar.... Silêncio.
Meu peito estúpido trocava um samba por modinha.


A melodia, divido: (Ouve)

Flor da idade


A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor

Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor

Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
A gente sua
A roupa suja da cuja se lava no meio da rua
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua
E continua
Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor

Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava
Rita que Amava Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto
que amava a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha



Chico Buarque/1973
Para a peça Gota d´água de Chico Buarque e Paulo Pontes

4 comentários:

Anônimo disse...

Amava. Amava toda a quadrilha... E como toda a quadrilha, se nós não nos ajudarmos, ajudaremos a quem? Cuide-se! Sempre...
Ronaldo Faria

Anônimo disse...

-"Até onde isso vai? Uma praia, o mar, outros sertões, cubículos num universo de concreto. Prisões."

Será necessário mesmo saber... "Até onde vai?"

-"Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha"

A prisão liberta, a armadilha desarma... Dança-se a quadrilha, vive-se o amor! Na hora certa. Na flor da idade!!

Beijos!

Tatiana disse...

Tõ na área de novo. Voltei reciclada e tinindo!
Beijos

Elenita Rodrigues disse...

Uau. Adoro o orkut!
Presente em plena terça de madrugada? Sublime!

Imenso prazer!