11.4.06

Leitura

Cheguei cedo. O bar ainda estava fechado.
Esperei. Esperei. Cigarros como companhia.
Finalmente abriu. Subi. Tomei alguma coisa pra limpar a garganta, outro cigarro pra estragar um pouco a voz. Corpo travado pela ansiedade, mas presente. O ensaio. Grandes descobertas acontecem sempre no momento em que não se pode mais testar, treinar, só fazer.

O salto alto, camisa branca, paletó de linho, chapéu, batom e as pernas muito brancas, soberanas no universo cinza. Pronta.
Mais um jogo. Tensão.

Espera. Pessoas chegando. Relógio no bolso, não vou olhar mais. Olho de novo.
Gente chegando? Pouco. Mais um pouco. Só mais cinco minutos.

Tomo meu lugar na arena, na cena, na vida.
A música. Não a minha. Billie Holiday, sensual e arrebatadora. Eles. Escuto.

O tango, minha deixa.
Faz tantos anos. Ainda sei o que é isso? Como se faz? Como se perder pra encontrar depois, livre e orgânico?...
Eu lá, impositiva, passional. Vulgar? Talvez pouco, não na medida certa. Mas eles gostam. Era pra gostar? São as pernas, o sorriso ou eu que me perdi nas intensões?

Paixão sim, isso eu quis. Quero.
Passou a piada, não riram. Vai mal. Engasgo, tropeço, atropelo, esqueço, rio. Feliz. Foda-se a piada. Eles são meus. Todos eles. Olhos atentos a cada pausa. Respirar. Torcem por mim. Não era assim que tinha que ser. Soube depois.
Músicas, marcas, pausas e palavras. Chega ao fim. 10, 15 segundos de vazio. Sem o texto onde me refugiar, exposta, excessivamente maquiada, pernas abertas diante de olhos e bocas e mãos desconhecidas. Eu lá, imóvel, retendo o ar...................

Aplausos pra me tirar do precipício.
Sorriram, acenaram, buscaram meus olhos tentando me dizer alguma coisa.
Parece que gostaram, funcionou.
Entenderam minha paixão?! Perceberam o limiar desafiando a lógica, provocando os sentidos...
Caramba, funcionou mesmo? !
Depois foram rostos e palavras, nomes, contatos. A auto-estima se constrói nos outros. Fiquei feliz.
Lá fora do bar, chuva. De novo.
Porque não me sinto realizada?
Pergunta extremamente idiota. Ele não estava lá. Faltaram seus olhos pra me roubar a concentração, seus ouvidos pra quem eu pudesse me projetar sem sofrer, faltaram suas mãos pra contar, direitinho tudo o que se viu. Faltou sua boca.
A chuva do domingo me levou pra longe, bem longe.
Dentro de mim, uma cadeira vazia.

4 comentários:

Anônimo disse...

Deve ter sido uma grande apresentação. E a nossa platéia interna, por mais vazia que esteja, é um canto nosso e, portanto, conhecido e "amigo". O fato de estar sem um personagem externo não deve desmerecê-lo. Um dia "ele" compra o ingresso ou paga o couvert. É só esperar...
Cuide-se. E diminua os cigarros. Ainda mais quando se depende da voz.
Ronaldo Faria

Alissandra Rocha disse...

Perceba que a volta se faz aos poucos, primeiro chegar e esperar. Depois subir degrau por degrau e se ambientar. Ouvir. Descobrir coisas a toda hora, não importa se no último momento. Depois se recolher e organizar. Por último dar seu sorriso e receber o aplauso. Será isso agora, e sempre.
Sempre haverá uma volta e um caminho a se percorrer para voltar.

Diego Nathan disse...

Inicio então com o autor Ingo Schulze (Dresden, 1962), considerado o melhor contista atual e um dos grandes representantes do Wenderoman. Schulze ficou internacionalmente conhecido com o livro Histórias simples da Alemanha Ocidental (Simple Storys, 1998, trad.Theresa Graupner e João Marschner), com tradução para vários idiomas e em vias de adaptação para o cinema. Os contos tratam de fragmentos biográficos de personagens vivendo em uma província, no leste da Turíngia, chamada Altenburg (onde Schulze trabalhou como diretor do teatro estadual cerca de três anos), são trechos do cotidiano de pessoas comuns debatendo-se com as mudanças radicais e rápidas de seu tempo, e lutando contra as humilhações sociais e políticas. Histórias simples, repletas de diálogos, como a de um professor saudável e animado que de repente sofre um ataque cardíaco; um diretor de escola que perde o emprego da noite para o dia e enlouquece; um motorista de táxi cubano é assassinado no meio da rua, em plena luz do dia; e assim por diante. Simples cidadãos que se encontram diante da nova realidade do país e não sabem ao certo como reagir, qual direção tomar, em busca de uma atitude, isto é, posição adequada diante da abundância de liberdade e produtos ou da violência gerada pela concorrência férrea do mundo capitalista.

Ingo Schulze estudou filosofia clássica na legendária universidade de Jena e hoje vive em Berlim, é autor da coletânea de contos, “33 Augenblicke des Glücks” (33 instantes de felicidade, 1995), e seu último livro, Neue Leben (Vidas novas, 2005) também foi objeto de críticas entusiásticas. Justamente na era da internet, das efêmeras e anti-estéticas mensagens dos e-mails, Neue Leben é baseado em cartas. Assim como o romance de Monika Maron, Pawels Briefe, sobre o qual mencionarei mais adiante. Curiosamente o chamado romance-cartas (Briefroman) não perdeu o seu encanto na literatura atual de língua alemã, apesar dos e-mails que nem de longe substitui uma carta! Neue Leben consiste nas quase seiscentas páginas que somam as cartas de Erico Heinrich para uma irmã, um amigo de infância e uma mulher na Alemanha ocidental, escritas de madrugada, durante seis meses, no período de 6 de Janeiro de 1990 a 11 de julho de 1990. As cartas para a irmã Vera não ocultam um certo sentimento incestuoso; para o amigo Johann, as expressões eróticas resvalam no homossexualismo; para a amiga Nicoletta, que vem da parte ocidental da Alemanha, ele conta toda sua biografia. O enredo funde-se à história do próprio autor, dados biográficos e fictícios misturam-se de forma intrínseca. Schulze seduz o leitor através de uma linguagem irônica, sarcástica e humorística.

Foi o que encontrei.
Pensei em Gil vicente.
Não sei.

Claudio Rosa disse...

A volta.
Digo de novo a volta.
A volta...A..volta, devo voltar?
Devo voltar?
Essa frase não é a da sua personagem, mas cabe bem agora, volte e viva.
A Alissandra disse que tem degrau por degrau, viva cada um deles.
A volta, a volta...devo voltar?
Você já voltou, já te viram.
O resto...não, não é silêncio é tempo. É TEMPO.