23.2.06

Postagem Inaugural

















Sou leitora, essencialmente. Atriz. Não sou escritora. Até com a dramaturgia minha intimidade chega somente à experiência cênica. Nunca publiquei um artigo, nem escrevi uma cena que fosse. No entanto, interagindo virtualmente com inúmeras pessoas, lendo blogs, criando laços e fazendo tudo isso através do teclado, comecei a sentir necessidade de registrar algumas impressões.
Um amigo me disse, certa vez, que o artista sofre porque tem que olhar o mundo pelo outro, e ainda tem que representar. É exatamente meu desejo. Não quero ver pelo outro e dar as respostas, não sou capaz disso. Quero ver o mundo e reagir a ele com indignação ou doçura, com espanto ou paixão. Este é meu desejo como atriz e vou tentar criar um paralelo aqui na grande rede. Talvez eu não consiga escrever artigos sólidos, bem acabados, estilisticamente corretos. Vou colocar aqui minhas impressões. Pode ser sobre um livro, um espetáculo ou até sobre os blogs dos amigos. Impressões, dúvidas, risos, respostas aos estímulos à minha volta.
Escolhi pra dar o primeiro passo uma carta virtual que escrevi a alguém. Transcrevo na íntegra.



“Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar, nem mesmo em troca da Liberdade. Nem mesmo em troca do sol”.

Boa noite, meu amor.

Hoje fui almoçar com uma amiga. Um encontro que eu estava devendo, já que faltei ao café que tínhamos combinado no último final de semana.
Conheço muito bem o trânsito e o clima daqui. Calor forte, pancadas de chuva e horas perdidas nos ônibus. Saí preparada, não com um guarda-chuva, mas com um livro que gosto muito. O Santo Inquérito de Dias Gomes.
É incrível como me emociona a história, mesmo depois de várias leituras. Hoje, no ônibus, comecei a chorar já no prefácio de Yan Michalski... Enfim, me entreguei ao texto.
Branca Dias, você conhece? É uma jovem paraibana, neta de cristãos novos, que percebe a presença de Deus nas coisas simples. Acredita no amor, na natureza e no prazer. Qualquer forma de prazer como o vento nos cabelos andando a cavalo, um banho de rio numa noite quente, um toque, quase sem querer, no corpo de seu noivo Augusto, ou até um bom prato de carne seca apimentada.
Tendo sua fé baseada no amor e certa da pureza de seus sentimentos, ela é acusada de heresia. É justamente sua certeza que a incrimina. Aos olhos do tribunal ela é culpada e precisa ser salva através da confissão e humilhação pública, ou morrer para expiar seus pecados. Ela só entende as armadilhas da incomunicabilidade quando já não pode mais voltar atrás.
Contundente. Simples e belo do começo ao fim!
Ao final da peça, desci do ônibus. Chuva, muita chuva. Granizo, galhos pela rua, uma pequena multidão abrigada em cada loja.
Eu só pensava na jovem Branca, amante da natureza, apaixonada pelo revolucionário Augusto.
Ninguém percebeu meus olhos vermelhos. Ninguém entendeu meu riso feliz, andando sob a chuva forte de São Paulo.
E eu só queria um par de olhos pra esse meu momento de graça...


5 comentários:

Johnny Kagyn disse...

O que posso dizer? Voicê acaba de plantar em minha cabeça mil idéias e com certeza uma delas será o post de hoje no meu blog. Bem, já virei freguês!
Beijos

Anônimo disse...

Oi Márcia

Estou gostando do que vejo.

bjs

Anônimo disse...

Oi,Marcia!
Eu iria te deixar um recado no orkut,mas aceitei seu convite lá e aqui também,e o q/ tenho a dizer é q/ você diz não ter intimidade c/ a dramaturgia,mas acredito q/ leva jeito p/ coisa,pois consegue nos fazer sentir emoções com suas palavras.Vá em frente!
Um grande abraço!

Tatiana disse...

Que satisfação poder te ler aqui!
Estava faltando isso mesmo!!
Mas você me surpreendeu porque tem umaforma deliciosa de escrever, uma delicadeza!
Parabéns por este começo...
Eu estarei aqui smepre!

Márcia Nestardo disse...

Agradeço a cada um de vocês pela presença, carinho e estímulo.
É disso que vivo: Ação e Reação. Se eu ficar apática, lenta podem empurrar. Conto com vocês.

Beijos ao filósofo das colheres, ao dramaturgo da Rubrica, à atriz emocionada, ao jornalista exigente e à cigarra amiga.