26.2.06

Eu sou aquela

Fazendo a roda girar, nas CNTPs!
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25.2.06

Amamentar é um ato de amor

Foram muitos meses de preparação e expectativa. O barrigão cresceu até quase explodir e não tive mais como segurar. O blog nasceu e é uma menina. Pálida. Pequena. Chorosa como quê. Chama-se Branca. Como a folha de papel virgem. Branca Dias.
O trabalho de parto foi o que é. Tinha que estar doendo muito, pra eu saber que era a hora. Eu soube. Fiz a minha parte, sem melodrama.


A aqui estamos nós. Engana-se quem pensa que o difícil passou. Agora vou amamentar.
Você sabia que o bebê não nasce sabendo mamar? Ele tem o instinto de chorar por fome e sede, e o reflexo de sugar o que lhe chegue à boca, mas mamar é bem mais complexo que isso. E quem tem a obrigação de ensinar o filhote a sugar o peito, fazer força em troca do alimento, suar as pestaninhas brancas? A mãe que também não tem a menor idéia de como tudo isso funciona.
E dói. Bastante mesmo. Fica em carne viva e sangra e inflama. E você não pode tirar a boquinha nervosa do peito, negar o alimento à sua criança. Tem que ter amor demais pra aprender e ensinar ao recém nascido que a regra maior de sua vida é lutar pelo seu alimento.

Assim estamos eu e Branca. Nos conhecendo. Mergulhei de cabeça, já que não posso mais negar sua existência, mas ela já tem me roubado horas de sono e exigido dedicação. E os seios estão um trapo. Rachados, mastigados, febris. Não me venham com aulas toscas de anatomia, que eu quero deixar aqui a imagem que eu tenho: As fontes da vida, o alimento do filho, moram perto do coração da mãe.

Lembro do meu filho Gabriel. Hoje tem 5 anos.
Foi tudo igualzinho: as dores, o parto, o sono e as feridas.
Ficamos nessa dor por quase um mês e meu bebê parecia um rato branco, não ganhava peso. Eu chorava de dor, ele chorava de fome. Ele exigia com sua vozinha potente, de anjo anunciador, o que lhe era direito e eu fazia o meu melhor. Fuzilava com os olhos quem me falasse em mamadeiras. Queria fazer o que é certo. Eu era o certo... durante quase um mês eu o fiz passar muita fome. Ao final, estavamos esgotados. Ele fraquinho e eu derrotada. Eu não produzia a quantidade necessária de leite. De tudo o que já errei na vida, nada pesa tanto em minha consciência quanto os olhinhos fundos, de um anjo desnutrido. Meu filho.

Mas foi por um mês. Quando finalmente aceitei que poderia ser uma grande mãe se reconhecesse meus limites. Evidentemente tudo ficou mais facil. Ele amou as mamadeiras muito mais do que a mim, mas aceitou mamar no peito antes de dormir, e eu encontrei a paz de uma noite de sono.


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Bom. Barrigas crescem. Crianças nascem o tempo todo. E os seios fartos jorram leite nos forros de algodão, nas camisas, nas blusas. Meu filho com 7 meses já não ligava nada praquele meu aconchego e eu, da minha vida calma, assistia ao crescimento demográfico da família a minha volta.

Certo dia, uma prima com seu filhinho de quase três meses, apareceu em casa toda descansada, serelepe e feliz, com os seios quase estourando de tão cheios e disse que estava desmamando o filho, porque não aguentava mais acordar a cada três horas pra amamentar. Nesse dia eu soube o que era ódio. Jamais senti nada igual na minha vida.

Também pela arte, pela vida sinto ódio de quem empedra seu telento ao redor do coração. Seja por dinheiro, ou por não dar importância, espera que a fúria seque, ignora a náusea, cochila sossegado enquanto o mundo agoniza. Deixa azedar a esperança.
Quantos lutam desesperadamente pra tirar de dentro de si algumas gotas de vida, enquanto outros, a tem escorrendo pelo ralo.
NÃO! Enquanto existirem bocas, olhos, ouvidos famintos de amor, informação, coerência, indignação, será dever do artísta botar os seios pra fora e deixar jorrar o leite.

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Psssssssiu... Ela está mais calma agora. Minha pequena de barriguinha cheia e sorrizo no rosto. Vou descansar. Logo mais ela acorda e eu estarei aqui. Fazendo o meu melhor.

Muitas vezes uma musiquinha nos atormenta, insistindo em ficar na memória, reverberando. Felizmente algumas frases interessantes, citadas ou originais, tem também esse comportamento.
Lendo, vivendo e quase sem refletir, deixei nascer uma dessas, que me acompanha há dias. Queria muito alojá-la numa crônica, ou lançá-la ao vento numa cena, mas minha ficção é miserável e o contexto todo da tal frase não cabe contar aqui.
Resolvi somente registrar minha impertinente companheira, sem dar maiores explicações.


"O meu afeto, ferido de morte, sangra na tua presença."

23.2.06

Postagem Inaugural

















Sou leitora, essencialmente. Atriz. Não sou escritora. Até com a dramaturgia minha intimidade chega somente à experiência cênica. Nunca publiquei um artigo, nem escrevi uma cena que fosse. No entanto, interagindo virtualmente com inúmeras pessoas, lendo blogs, criando laços e fazendo tudo isso através do teclado, comecei a sentir necessidade de registrar algumas impressões.
Um amigo me disse, certa vez, que o artista sofre porque tem que olhar o mundo pelo outro, e ainda tem que representar. É exatamente meu desejo. Não quero ver pelo outro e dar as respostas, não sou capaz disso. Quero ver o mundo e reagir a ele com indignação ou doçura, com espanto ou paixão. Este é meu desejo como atriz e vou tentar criar um paralelo aqui na grande rede. Talvez eu não consiga escrever artigos sólidos, bem acabados, estilisticamente corretos. Vou colocar aqui minhas impressões. Pode ser sobre um livro, um espetáculo ou até sobre os blogs dos amigos. Impressões, dúvidas, risos, respostas aos estímulos à minha volta.
Escolhi pra dar o primeiro passo uma carta virtual que escrevi a alguém. Transcrevo na íntegra.



“Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar, nem mesmo em troca da Liberdade. Nem mesmo em troca do sol”.

Boa noite, meu amor.

Hoje fui almoçar com uma amiga. Um encontro que eu estava devendo, já que faltei ao café que tínhamos combinado no último final de semana.
Conheço muito bem o trânsito e o clima daqui. Calor forte, pancadas de chuva e horas perdidas nos ônibus. Saí preparada, não com um guarda-chuva, mas com um livro que gosto muito. O Santo Inquérito de Dias Gomes.
É incrível como me emociona a história, mesmo depois de várias leituras. Hoje, no ônibus, comecei a chorar já no prefácio de Yan Michalski... Enfim, me entreguei ao texto.
Branca Dias, você conhece? É uma jovem paraibana, neta de cristãos novos, que percebe a presença de Deus nas coisas simples. Acredita no amor, na natureza e no prazer. Qualquer forma de prazer como o vento nos cabelos andando a cavalo, um banho de rio numa noite quente, um toque, quase sem querer, no corpo de seu noivo Augusto, ou até um bom prato de carne seca apimentada.
Tendo sua fé baseada no amor e certa da pureza de seus sentimentos, ela é acusada de heresia. É justamente sua certeza que a incrimina. Aos olhos do tribunal ela é culpada e precisa ser salva através da confissão e humilhação pública, ou morrer para expiar seus pecados. Ela só entende as armadilhas da incomunicabilidade quando já não pode mais voltar atrás.
Contundente. Simples e belo do começo ao fim!
Ao final da peça, desci do ônibus. Chuva, muita chuva. Granizo, galhos pela rua, uma pequena multidão abrigada em cada loja.
Eu só pensava na jovem Branca, amante da natureza, apaixonada pelo revolucionário Augusto.
Ninguém percebeu meus olhos vermelhos. Ninguém entendeu meu riso feliz, andando sob a chuva forte de São Paulo.
E eu só queria um par de olhos pra esse meu momento de graça...