30.3.06

Resposta













Parti de uma folha de papel branco desenhado de palavras a construir uma realidade paralela.
Precisava conhecer a mente criadora, mergulhar num universo denso, enevoado, obscuro do que seja o instante da criação do texto.
Sem pensar me joguei em cartas, frases, memórias de vozes. Escolhi fragmentos de corpos que me trouxessem pra perto um autor idealizado ao avesso.
Busquei a embriagues pra justificar clichês. Encontrei na fumaça dos cigarros um lapso temporal em que a obra toma vida própria e subverte o poder do escritor.
Num único domingo, de solidão extrema, tomei uma overdose de cinema noir. Sombras e contrastes, tudo cinza, o tango, o cigarro, a narrativa que nos leva pra dentro da estória como fiéis confidentes de personagens maravilhosamente imperfeitos.
Ainda não consegui chegar no fundo. Estou caindo.
Minha busca prossegue e a paixão desta vez faz parte da cena. Não posso fugir.
Quem entende a mente de um escritor apaixonado por sua musa?
Não. Não sou eu, a musa. Sou só o reflexo do arrebatamento.

27.3.06

Capítulo das perguntas - nº 6

Meu pai, marceneiro talentoso, me prometeu que fará os elementos de cena pra nosso espetáculo, e disse que isso é um incentivo de pai à minha carreira.
Começamos a calcular quantidades de MDF para colocar no projeto de patrocínio junto às madeireiras. Fiquei surpresa quando papai disse que o melhor seria fazer uma vaquinha com o pessoal da peça pra comprar o material. Bem melhor do que ficar mendigando pedacinhos de madeira!

Então é assim que somos vistos? Mendigos de retalhos e sobras. Mas e a contrapartida financeira, a exposição do nome e da marca, o marketing no saguão do teatro? Não deveria ser uma parceria, uma troca de interesses que ao final possibilitam o acontecimento teatral?

Que susto. Fiquei imaginando o que passa pela cabeça das pessoas com relação aos prêmios de fomento à cultura.

Eu e papai conversamos por mais de uma hora. Ele entendeu o funcionamento da parceria e do patrocínio e me deu uma folga. Só os sentimentos de inadequação e angústia ficaram martelando na minha mente.

24.3.06

Distração

Hoje saí para comprar matéria-prima para meu trabalho. Uma chapa de borracha de EVA. Já tinha ido até lá muitas vezes, na Avenida Rangel Pestana. Como em São Paulo tudo demora, levei o tocador de CD com uma seleção musical que só quem me conhece é capaz de entender: Astor Piazolla com Libertango, Carlos Gardel com Scent of Woman e Zeca Baleiro cantando Isso Aqui ta Bom Demais do Dominguinhos.

Ouvi o Cd no ônibus repetindo as músicas várias vezes e me deixando levar pela mistura de sons, e imagens que se formavam na minha mente distraída, que quase esqueci de descer no ponto do Metrô Parque Dom Pedro.

Já na calçada, liguei o piloto automático e comecei a andar no ritmo do Perfume de Mulher. Pena que esqueci de ajustar a rota. Andei por uns quinze minutos na Avenida Alcântara Machado, sem perceber que ela não tinha as mesmas lojas que eu conhecia há uns cinco anos. Foi preciso alcançar o Viaduto Alcântara Machado pra eu perceber que estava no lugar errado! Um pouco confusa comecei a pensar numa maneira de chegar a Rangel Pestana sem ter que voltar o caminho todo. Não tive dúvidas e entrei à esquerda numa ruazinha que tinha toda cara que ia me levar exatamente pra fora da rota, só que empolgada com os tangos e impetuosa como nunca enfrentei a sensatez e encarei a viela. Piazolla e Gardel se revezavam na imposição do ritmo dos meus pés. Era tão intenso e vibrante que eu quase corria, percorrendo uma distância grande, de um lugar cada vez menos familiar.

A certa altura resolvi acender um cigarro, mas o vento não colaborava e tive que parar. Eu devia estar com cara de tango, ou sei lá o que, e quando dei por mim tinha um homem, aparentemente uns cinqüenta anos vindo direto na minha direção. Ele falou comigo qualquer coisa que não ouvi, com os fones quase no último volume, mas acho até que percebi do que se tratava.

Estava me perguntando quanto era? É isso? Deseducadamente, como também não tinha ouvido sua pergunta eu continuei meu caminho. Numa fração de segundo eu revisei toda minha roupa pra ver se estava dando essa pinta: Minha mini saia nem era tão mini assim, a blusa azul clarinha não tinha atrativos, quem sabe as unhas compridas e pintadas de vinho. Sei lá. Alguns metros depois tudo foi esclarecido, eu tinha parado para acender o cigarro bem na porta da zona!

Continuei minha caminhada, rumo ao lugar errado, agora com mais elementos pra brincar no meu cérebro e me distrair do meu objetivo que era comprar EVA. Sol muito forte. Passos rápidos. Música alta. O cigarro. O puteiro. Minha cabeça assumiu a brincadeira de ir por sua conta e passei a imaginar a cena: No palco o tango. Ele de chapéu cobrindo o rosto, ela lindíssima, de vestido vermelho. Rostos fechados, só o peito pulsando demonstrava a grande paixão daqueles corpos. A conquista, o desejo, o amor. Pernas e braços impetuosos e cínicos se enlaçando ora como gatos macios e sensuais, depois como cobras prontas pra traição.

Nesse clima saí finalmente das vielas e me deparei com a rua da Mooca. (Bem fora do objetivo que era a Rangel Pestana). Minha única chance era seguir até o final, alcançar a Avenida do Estado, chegar novamente ao Metrô e começar do ponto inicial, cuidando pra entrar na rua certa, desta vez. A essa altura já estava no segundo cigarro, as pernas já meio bambas pela caminhada forçada e o sol ainda mais forte. Distraí-me do tango e começou a tocar o chote de Dominguinhos. Imagina eu andando, rindo do meu péssimo senso de direção e cantando no meio da avenida: Olha que isso aqui ta muito bom, isso aqui ta bom demais. Olha quem ta fora quer entrar, mas quem ta dentro não sai!

De novo os neurônios tomaram conta da situação, mas dessa vez de um jeito engraçadíssimo. Eram a linda mulher de vermelho e o amante latino dançando uma deliciosa quadrilha de São João e minha imaginação dava o tom da insanidade pro novo jogo de conquista e desilusão do casal de amantes.

Pra resumir. Achei a avenida, achei a loja, comprei o EVA, passei num bar pra comprar outro maço de cigarros, andei mais uns 15 minutos até o ponto de ônibus e voltei pra casa com uma cena novinha, brincante no meu cérebro. Até poderia virar cena de verdade e ir pro palco, por que não? Será que algum louco seria capaz de criar essa baderna toda, ou isso é delírio meu sob efeitos da nicotina e do Sol?

Maluquice?!

Pois é! Olha que isso aqui ta muito bom.
Isso aqui ta bom demais.
Olha! Quem ta fora quer entrar.
Mas quem ta dentro não sai.

21.3.06

É o ator um inimigo de si mesmo?

Por Johnny Kagyn

Olhe para si e para o caminho que o trouxe até aqui. É um caminho longo, curto? Não importa a extensão o que lhe trouxe até aqui foram sonhos. Sonhos íntimos. Sonhos inconfessáveis. Sonhos. Olhe para si e veja apenas você mesmo. Seus olhos, seu caminhar, a maneira como seus braços balançam. Seus medos, seus erros, o que te fez chorar. Este é você, o ator.

Agora sem deixar de enxergar a si próprio, responda: o quanto você está disponível a mostrar deste corpo, desta alma e desta mente? Pouco, muito?
Agora, considerando-se apenas ator e não mais ser humano, olhe para si como instrumento.
Olhe clinicamente para cada parte deste instrumento. Analise impiedosamente tudo.
A única pessoa a quem você não deve enganar é a si mesmo. Liste suas virtudes. Liste suas imperfeições. Seja impiedoso consigo mesmo.
Enxergue-se como o seu próprio inimigo. Aquele a quem você deve vencer, superar e subjugar. Quanto você está disposto a subjugar de si mesmo?

Ser ator exige uma busca e uma luta constante dentro de si mesmo. Exige que se seja sincero. Exige disponibilidade para se expor. Exige coragem para ver suas imperfeições e livrar-se de suas máscaras sociais.
Você está disposto?

Trabalhe!
Trabalhe para vencer seus automatismos, suas idiossincrasias, seus limites e seus domínios.
Trabalhe para criar a personagem. Trabalhe para destruir-se.
Esteja disponível para o erro. Busque o acerto.
Agora pare.

Deste ponto em diante lhe será exigida a disponibilidade.
Deste ponto em diante lhe será exigida a vulnerabilidade verdadeira.
E apenas você pode verdadeiramente fazer estas exigências.
Leve em consideração que ir além deste ponto pode significar destruir-se dolorosamente; e continuar neste ponto vai significar acomodar-se no seu confortável nível atual.
Por você só você mesmo deve decidir.

Johnny Kagyn é dramaturgo do Coletivo SuperNova

Kagynkagyn@msn.com

http://infinitoparticular.blogspot.com/

17.3.06

Sono

Quando sabe é Deus.
Quando não sabe é vírus.
Transito mole, fluido, confuso num limiar de névoa.

Fumaça do cigarro,
ardor dos olhos,
a dor na garganta,
e o amor que dói mais.

Capítulo das perguntas - nº 5

Por Fernanda Sanches
O que, dentro de mim, torna as coisas tão difíceis?

...respondendo com outra pergunta:
Por que você não reage?

14.3.06

Capítulo das perguntas - nº 4

Há chaves lógicas em tudo a nossa volta. Como nas moléculas de DNA, são apenas seis substâncias chamadas genericamente de aminas, que combinadas duas a duas, formam uma corrente com informação para o funcionamento de todo o ser vivo.
Pensando no nosso corpo. Se faltarem algumas dessas aminas importantíssimas, vitais, as vitaminas, o corpo sofre e adoece. Não funciona corretamente.

Faltaram as chaves da vida.

Existe uma inteligência orgânica presente também na literatura, nas artes e, como é meu caso, na dramaturgia. O texto teatral existe para a cena. Não se encerra nas palavras. Aí é que entra um trabalho para o ator, que vai muito além da cena e a precede. O estudo e compreensão do objetivo da peça, seu tema, o conflito central e os estranhamentos paralelos que o compõem. Mas existe aquela chave. A lógica, às vezes óbvia, mas nem sempre, que dá sentido e amarra todo o enredo dentro de uma unidade harmoniosa.

Estou às voltas com uma questão. A busca dessa chave dentro do texto teatral pode ser enriquecedora e trazer resultados surpreendentes. Mas se a tal senha existe, porque ela não é revelada pelo próprio autor?

Conquistar o entendimento pleno do texto dramaturgico, através do processo de ensaio tem afinal mais valor no resultado estético do que teria se fosse instruído diretamente pelo autor?

Acho que adivinho a resposta de vários amigos. Parece óbvio... O processo, a descoberta, a conquista...

Mas preciso aprofundar o questionamento. Enquanto isso me estico, pulo e subo em pedras, pra alcançar a minha chave, que eu sei que existe, pendurada ali no alto, fora do alcance das minhas mãos.

10.3.06

Capítulo das perguntas - nº 3

Posso fazer de novo?
Fazer de novo é fazer outra vez ou fazer novo o novo?

9.3.06

Capítulo das perguntas - nº 2

Devemos aceitar jogar, se não concordamos ou não entendemos as regras?

Desejo dos Perpétuos



Só há uma coisa pra se ver no reino crepuscular de Desejo. É o que se chama limiar, a fortaleza do Desejo. Desejo sempre morou no limite. O limiar é maior do que podemos imaginar. É uma estátua de Desejo, ele ou ela própria. (Desejo nunca se satisfez com um único sexo. Ou apenas uma de qualquer coisa... Exceto, talvez, o próprio limiar.) O limiar é um retrato do Desejo, completo em todos os detalhes, erguido, a partir de seus caprichos, com sangue, carne, osso e pele. E, como toda verdadeira cidadela desde o início dos tempos, o limiar é habitado. O lugar só tem um ocupante neste momento. O Desejo dos Perpétuos.
O limiar é grande demais para apenas uma pessoa. Contém dois tímpanos maiores que uma dúzia de salões de baile. E veias vazias e ressonantes como túneis. É possível andar nelas até envelhecer e morrer sem passar novamente pelo mesmo lugar. Entretanto, dado o temperamento de Desejo, só há um lugar em toda a catedral de seu corpo que lhe serve como lar. Desejo mora no coração.
É improvável que qualquer retrato consiga fazer jus a Desejo, pois vê-la (ou vê-lo) seria o mesmo que amá-lo (ou amá-la) - apaixonadamente, dolorosamente, até a exclusão de tudo o mais. Desejo exala um perfume quase subliminar de pêssegos no verão e projeta duas sombras: uma negra e de nítidos contornos; a outra sempre ondulante, como neblina no calor. Desejo sorri em breves lampejos, da mesma forma que o brilho do Sol reluz no gume de uma faca. E há muito, muito mais do gume de uma faca na essência de Desejo. Jamais a (o) possuída (o), sempre o (a) possuidor (a), com pele tão pálida quanto fumaça, e olhos aguçados como vinho. Desejo é tudo o que você sempre quis.

Quem quer que seja você.
O que quer que seja você.
Tudo.


Sandman - Gaiman / Zulli / Muth / Vess

Capítulo das perguntas - nº 1

Comer, transar e ver TV.
No mesmo nível de importância...
Porque ver televisão virou necessidade básica da pessoa moderna?
(Há quem não assista!).

2.3.06

Eu posso fazer melhor?

Ontem fui ao teatro. Feliz como a moça ingênua que leva uma cantada. Aquela sensação momentaneamente saborosa, que nos faz acreditar que somos especiais. Ilusão. Mentira. A peça tinha ingresso a preço popular. R$ 1,50. E eu fui maquiada, produzida, gastar minhas moedas, pra fazer de conta que sou "gente de teatro".

Uma pena. Espetáculo ruim. Nada que se pudesse salvar. A cada cena eu me sentia mais triste, por ver colegas de profissão numa realização tão pequena. Com sinceridade, eu me compadecia e me identificava com aquele sofrimento. Novas falas, novas ações.


- Não pode ser. Que ruim... Não pode ser. Parece um pesadelo.

Uma pergunta me torturava:


Eu faria melhor? Em quê?
Deprimida eu escondia meus sentimentos.
Eu não faria melhor...
___________________________________________________


Hoje pela manhã eu olhei para meu trabalho, que deveria ser o sustento meu e de meu filho. Senti náusea. Deve ser fome, vou tomar café. Não tinha pão, nem leite, nem margarina, só um resto de café, de ontem.

Tem que comprar! Peguei a bolsa, revirei a carteira, a bolsinha de moedas... Nem um real. Vazio...

Ta. Pego no banco. Antes vou olhar o saldo, pra saber como anda aquele inferno flamejante. Me queimei. Não dá. Não posso tirar nem dez, nem cinco, estou devendo muito além dos limites do cheque especial. A constatação maior foi que eu esgotei até as tetas do banco. Nada. Seco. Vazio. Só tinha ali o aviso, das próximas contas a serem confortavelmente debitadas do meu saldo nulo.

Passada a vertigem inicial, comecei a recolher papéis, contas, tabelas e sonhos esparramados na mesa de trabalho.


-Não pode ser. Que ruim... Não pode ser. Parece um pesadelo.

E as perguntas continuam a me torturar.

O que andei fazendo dos meus sonhos, que caminhos escolhi pra realizar as minhas necessidades? Não tenho outra chance, nem posso descer do palco. Minha vida é essa e estou deixando meu enredo azedar.

Pergunta... É minha vida, porra!

Eu posso fazer melhor? Em quê?
Deprimida eu escancaro meu fracasso.
Eu não sei fazer melhor.

Num bosque - Fui ver

Fazendo a roda girar, nas CNTPs!
Link 2

Vejam também os sustos, lamentos e gemidos de:

Claudio Rosa -
Quis ter ido ao Teatro
Johnny Kagin - Num Bosque (Já começou mal pelo título)
Alissandra Rocha - Fomos ao Teatro e... O Teatro não estava lá!